A atuação dos atores principais é sensacional, Juliana Paes tem a sua entrega com a personagem Liana, acho que não tem um capítulo que ela não chora, ou entra em desespero, até quando ela vira “leoa” para defender seus filhos conseguimos identificar as expressões e olhar dela. Vladimir Brichta, interpretando Thomas, tem um papel fundamental na trama, a atuação dele está sensacional, quando o personagem dele tem a troca de personalidade conseguimos identificar nitidamente no olhar dele, na postura, na voz. Outra personagem que ganhou o coração, que toda família tem e eu considero como uma “intermediadora” é Silvia interpretada pela Paloma Duarte, é uma personagem que ganha destaque e muitos episódios tem até mais falas que todos, e circula por toda história e ganha nossos corações.
A novela nos mostra várias camadas, e assuntos relevantes que conseguimos debater no momento atual …
Passando em 2006 e esse assunto foi muito polêmico agora em 2024 pelo retrocesso das leis. Talvez com a abertura das redes sociais conseguimos ter mais visibilidade trazendo discussões mais pautáveis sobre o assunto principal. Primeiro é o acontecimento de um estrupo dentro da novela e depois sobre o corpo da mulher, como ainda é assunto muito sensível para todas as pessoas e relacionado ao acontecimento, as pessoas não acreditam na personagem e faz com que a Liana a todo momento se questione se foi real ou não e se sinta culpada por isso. Então ela decide esconder e conviver com esse trauma, trazendo culpa e um segredo pelo resto da sua vida.
Até que a história não se torna apenas dela, existe uma segunda pessoa que se envolve que é o Thomas, seu marido, na parte inicial da novela, ele se encontra em dúvida se participa deste cenário, em vista que ao decorrer do casamento ele também teve a sua quebra ali, uma traição de 6 anos.
Eles decidem ter os 2 filhos, e os seus acordos seriam doar a criança foi gerada através do estrupo e a outra criança que é do casamento ficaria com eles. Bom é nítido o desenvolvimento do apego da Liana desde do feto, o bebe crescendo dentro da sua barriga, ela já imaginando como seria a vida do bebe e logo em seguida dando ao nome de Marcos.
Vem um outro cenário, o nascimento dos bebês, primeiro nasce o Matheus que é o filho do casal e depois o Marcos. Thomas espera um tempo para tomar a decisão, vendo a Liana criar laços com a bebe ele decide levar o Marcos para adoção que já tinham planejado e que foi algo combinado entre eles.
Eu fiquei extremamente chocado pela atitude dele, mas conversando com um psicólogo ele relatou que sim, era cabível a atitude do Thomas, pois eles tem um acordo como casal e a Liana futuramente poderia rejeitar a criança em vista que a criança nasceu de um acontecimento traumático na vida dela e quando crescesse o Marcos poderia se tornar um “fardo” para ela, pois seria associado a esse trauma e ela poderia desencadear alguns transtornos.
Na minha observação, isso não ocorre essa associação futuramente, porque quando o Thomás levou a criança embora sem o consentimento dela e sem ela saber, a Liana teve o momento para refletir e decidir se era mesmo que ela queria, logo depois toma a decisão de que ela queria o Marcos e o Matheus juntos e criará os 2, então ela vai buscar com toda força e convicção o Marcos, é uma cena de “Leoa” e consegue resgatar da família passando por todos os sentimentos envolvidos ali.
A respeito do Thomás, a minha leitura, é que não foi uma decisão de fato dele, a todo momento ele é questionado e de uma forma manipulado a tomar aquela decisão, por mais que ele aceite a criança, não é o que ele queria, era um acordo feito entre eles e que ele passou aceitar a decisão da Liana para tentar manter perto do seu filho Matheus. Não estou passando pano para o Thomás, acredito que depois as atitudes dele começa a mostrar uma briga de ego inflado, e começa a entrar até em questões da masculinidade frágil/tóxica, como acompanhamos muito homens nos dias de hoje, quando é tomado o seu “território”, o homem tem que ser o centro e único da sua família. A série mostra uma possível conexão do Thomas com o Marcos, mas não ganha forças, por conta da aparição do Oscar, que é o estuprador e que desconfia que as crianças podem ser seu filho e tenta se manter próximo para tentar tirar proveito financeiro da família.
Oscar é um personagem que mostra desvio de caráter, manipulador, agressor e abusador, sendo um homem ainda cercado pelos cuidados do pai e da irmã que a todo momento justifica as atitudes dele e estão cuidando das suas irresponsabilidades.
Decorrer da história
Liana tenta a todo momento conviver com a sua escolha, protegendo seus filhos de saberem da sua real história. Mesmo ela afirmando que foi abusada, as pessoas colocam ela em lugar de se questionar se isso foi mesmo verdade, como qualquer mulher a se questionar quando existem esse acontecimento, pois não é culpa do homem, “seria culpa da mulher”, que aproveita da situação e seduziu o cara … A gente percebe esse jogo muito nítido até hoje, essa manipulação para culpabilizar a vítima e não o estuprador.
A culpa e o segredo fazem parte de toda a trama, das escolhas, os personagens se tornam fechados, tentando conviver e criando um cenário de mentiras.
A novela me despertou uma discussão sobre as nossas próprias escolhas, da convivência com elas, acredito que nos últimos capítulos, a gente quer entender se existe uma redenção para todas as mentiras criadas, se realmente existe um acolhimento caso aconteça de relatarmos a nossa verdade.
Uma das cenas mais lindas e mais importantes que faz a gente assistir toda a trama e a decisão de contar toda a verdade, então ela se abre para os filhos, se entregando dizendo de fato o que aconteceu e eles acolhendo ela dentro da sua história que também eles fazem parte e as pessoas em volta, da forma como Liana é recebida é lindo de ver. Isso torna-se tão especial, pois ao meu ver dá voz a muitas mulheres que já passaram por isso. É onde damos um suspiro de alívio, junto com ela e nos leva a conectar com a série.
Saber que escolhemos conviver com a dor em nossas decisões difíceis mais traumáticas ou complexas que sejam, pode nos tornar um peso, mas quando conseguirmos de fato nos abrirmos para as pessoas que amamos e criamos laços, isso é libertador. Eu falo isso sendo um homem gay que precisou sair do armário para ser quem eu sou hoje e ter muito orgulho de conseguir ser eu.
Eu falo isso sendo um homem gay que precisou sair do armário para ser quem eu sou hoje e ter muito orgulho de conseguir ser eu.
Em outro viés, existe o Thomas que no decorrer da trama, começou a se colocar como dono da verdade ou meias verdades (personagem caracterizado por muitos homens do “bem” por aí). Ele sendo engolido pela culpa, por mais que tenha abraçado suas escolhas, ele não traz toda a sua verdade, ele apenas trouxe aquilo que ele “acreditava ser” mas desfalcando a sua realidade, então ele continuou sendo massacrado sentimento de culpa e convivendo na bolha da mentira.
A série me mostrou inúmeros caminhos, mas ao meu entendimento é um conforto para aqueles que vivem se culpabilizando pelos seus problemas, e que decidem carregar essa mochila nas costas a vida toda, por uma única decisão você deixa de olhar para a sua volta, olhar para a sua família, olhar para as pessoas que estão com você … olhar para si, e vivem com medo.
Eu vejo que a novela traz um suspiro para muitos que sentem esse peso da vida como se abrir para as pessoas certas e poder ter o acolhimento que precisa. Caso ainda sinta medo de dizer para sua família, amigos, tente procurar uma rede de apoio, terapia, grupos específicos para essa abertura …
“Eu convivi a muito tempo dentro do armário, tinha 2 vidas, uma para minha família, amigos e trabalho, outra para pessoas que eram iguais a mim, então eu consegui sair do armário, eu pude ser eu … e isso hoje não tem preço em viver a minha vida.”